Antonio Carlos de Freitas Jr - Foto Divulgação

Decreto Municipal que proíbe funk é “preconceito na veia”

Proibir um gênero musical fere o núcleo da Constituição, avalia Antonio Carlos de Freitas Jr,…

Proibir um gênero musical fere o núcleo da Constituição, avalia Antonio Carlos de Freitas Jr, Doutor em Direito Constitucional pela USP

A decisão da Prefeitura de Carmo do Rio Claro, no Sul de Minas Gerais, de proibir músicas de funk nas escolas municipais, por meio de um decreto, tem gerado controvérsia jurídica e cultural. A justificativa oficial para a medida é evitar conteúdos considerados inadequados para o ambiente escolar. Contudo, especialista aponta pelo menos três aspectos fundamentais da medida que ferem a Constituição: competência legislativa, liberdade de expressão e igualdade de tratamento.

A primeira crítica reside na competência legislativa. Segundo Antonio Carlos de Freitas Jr., Mestre e Doutor em Direito Constitucional pela USP, o decreto municipal invade um campo reservado à União, que tem a atribuição de legislar sobre diretrizes e bases da educação. “Um município não pode, de forma isolada, legislar sobre questões gerais do ensino. Ele pode legislar sobre questões muito peculiares, que se refiram à organização do município. Por exemplo, se naquela região chove muito pela manhã, o horário de intervalo ou de entrada será alterado em razão dessa especificidade. Questões sobre o ensino em geral e sobre o que é bom ou não para a educação é atribuição da União”, afirma.

A medida também é questionada por sua violação à liberdade de expressão artística, protegida pela Constituição no artigo 5º, inciso IX. Segundo Freitas Jr, a Constituição é clara em garantir a liberdade artística e cultural, além de vedar qualquer forma de censura. “Proibir o funk não é uma censura de uma música, é uma censura genérica de um gênero musical. É ainda mais grave que censura, porque ceifa a própria análise da música em concreto”.

Na avaliação do advogado, essa proibição tem como pano de fundo algo que ofende o núcleo da Constituição, que é dignidade da pessoa humana, porque demonstra um preconceito em relação ao gênero, de fundo racial e socioeconômico.

“O próprio decreto complementa que estariam proibidas outras músicas que contenham vulgaridades morais, sexualização e incitação a crimes, ou seja, ele está pressupondo que todo e qualquer funk têm esses elementos. É preconceito na veia – ligado a um gênero musical e a uma cultura de subúrbio – que ofende diretamente a dignidade da pessoa humana”.

O caso ganha ainda mais relevância diante da recente jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), que tem reforçado a proteção de direitos fundamentais em situações semelhantes. Freitas Jr. cita como exemplo a decisão na ADPF 457, que declarou inconstitucional uma lei municipal que proibia materiais sobre ideologia de gênero nas escolas. “O STF já mostrou que medidas que extrapolam a competência municipal e afrontam princípios constitucionais têm alta probabilidade de serem invalidadas. O mesmo deve ocorrer aqui, considerando os paralelos entre os casos”, argumenta.

À medida que decisões como essa proliferam em diferentes municípios, fica o alerta para os riscos de fragmentação das políticas públicas e para a necessidade de harmonizar as ações locais com os princípios constitucionais. No caso específico do funk, o debate transcende o âmbito jurídico, tocando em questões culturais e sociais que refletem a diversidade e os desafios de uma sociedade plural.

Fonte: Antonio Carlos de Freitas Jr é formado em Direito, Mestre e Doutor em Direito Constitucional pela Universidade de São Paulo (FDUSP). Pós-Graduado em Direito Constitucional e Processo Constitucional pelo Instituto de Direito Público de São Paulo (IDP/SP). Especialista em programação neurolinguística, pós-graduando em Neurociências pela UNIFESP, autor de obras jurídicas, palestrante e professor de Direito Constitucional. CEO do AC Freitas Advogados.