Escute o feroz álbum “Outono Selvagem” de Flávio Renegado
“Como mágica Amarildos sumirão de suas casas, as Cláudias que não são Leite, serão arrastadas……
“Como mágica Amarildos sumirão de suas casas, as Cláudias que não são Leite, serão arrastadas… pedras nas garotinhas que gostam de Candomblé, tornaremos gourmet o seu acarajé…” (Pão e Circo)
“Outono Selvagem”, a música, é um funk vigoroso que te pega pelo pescoço e não larga até entregar toda a mensagem. No caso, quase uma biografia de Flávio Renegado em 3 minutos e 12 segundos – o músico mineiro nascido e criado na comunidade Alto Vera Cruz, na capital BH, no meio de um selvagem outono de 1982. Não à toa batiza também o novo trabalho dele, seu terceiro álbum desde a estreia com “Do Oiapoque a Nova York“, de 2008. Não à toa seu trabalho mais heterogêneo e fluido, onde utiliza todas as ferramentas de uma década de carreira e 34 anos de vida.
“Outono Selvagem“, o disco, é composto por 14 pedradas (desculpe o clichê, mas este se faz necessário) que disparam em um alvo só – a miopia que nos leva atualmente a tentar enxergar e viver o mundo em pensamento maniqueísta de ou bem ou mal, ou coxinha ou petralha, ou mortadela ou salame.
O mundo que Flávio apresenta por meio de sua música e de sua pesada caneta envolve desde o lirismo e melodias do Clube da Esquina até riffs de guitarra do crossover Run DMC/Aerosmith. Passa pelo universo cinza (pois se colocasse black já definiria a tomada de um lado só) do blues, reggae, MPB, soul e ritmos africanos.
Traz na já citada música que dá nome ao disco linhas de baixo tão suingadas quanto gordas de funk setentista unidas ao também já citado sample de Run DMC/Aerosmith em texto onde Flávio narra de onde veio, do lirismo das quermesses ao potencial tanto poético quanto bélico das ruas, até chegar a este trabalho.
Abre com rap e ode à religião afro “Black Star“, que carrega muito menos da culpa e mundo em preto-e-branco do que a católica, e participação de Sergio Pererê. O funk se une ao reggae e ao rap em “Rotina“, e estes ganham camadas de blues, principalmente nas guitarras em “Corda Bamba“. Nesta, Flávio divide vocais com Joana Rachael.
“Pra Quê” traz o suingue das misturas de gêneros em flerte com reggae, rap e funk, sendo que os dois últimos dão o tom de “Luxo Só“.
Quando falamos de Clube da Esquina e de samba, a prova melhor da harmonia desses com o rap vem na forma de “Maldita”, até que esta é emendada com um funkão de wah wah na guitarra, “Sobre Peixes, Flores e Você“.
Novamente o samba dá a cara com uma guitarra funk à Nile Rodgers em “Particulares” e citações da Geni de Chico Buarque são incorporadas em formato rap em “Pão e Circo”. Tem também rap sobre base eletrônica (“Além do Mal“), reggae ensolarado (“Colibri, o Pássaro do Tempo“), mais rap (“Só Mais um Dia“) e um final apoteótico em “Redenção“.
E o ciclo do texto de Flávio se mistura a todos os elementos acima, fecha e o obriga instintivamente um reinício, desde a canção de abertura, “Black Star”, pois você sabe que a cada audição pescará elementos novos, mensagens novas, cores novas. Trilha sonora perfeita para tempos igualmente selvagens.